terça-feira, 19 de janeiro de 2010

O plumador.

A barba já encostava na madeira que ele lixava dia após dia. Quando começou a trabalhar, a barba nem existia, agora, depois te tanto tempo, ela já roçava o talhado feito à mão.
O rosto fundo, tinha a cor da madeira na qual trabalhava, olhando assim, de longe, homem e madeira se misturavam, se confundiam. Os braços do homem pareciam os galhos da árvore que outrora aquela tora fora.
E talvez por isso o homem fosse tão maciço quanto a madeira.
Muitas luas, ventos e sóis de passaram, e o homem não parava, parecia se alimentar de alguma seiva, parecia ele mesmo capaz de fotossintar.  Fotossintou durante dias.

Desceu para o quintal levando consigo o canivete, rasgou o bucho da árvore e colheu o liquido-choro que dela escorria. O homem encostou sua mão no rasgo rasgado, e lascas de árvore se formaram sobre o partido, não ficara vestígio de nada. Nem do bucho, nem do choro, nem do rasgo. A árvore cicatrizara.

Subiu para sua casa que ficava no alto da copa da árvore. Voltou a trabalhar, agora ainda com mais afinco. Conseguia vislumbrar sua obra finalizada. Ouviu lá fora o chamar da águia, correu para encontrá-la. A águia trazia embaixo de uma asa as penas da última troca, exibia para o homem sua renovada imponência. O homem assentiu e voltou para dentro da casa, agora tinha a última coisa que lhe faltava.

O homem trabalhou exaustivamente, dia e noite, e como uma rendadeira, tecia ponto por ponto o seu experimento.

Terminou.

Arrastou como pôde a geringonça para a saída da casa. A vestiu lentamente, as pernas mal podendo suportar o peso de si mesmo, da alegria, da geringonça e do medo.

Assim que se vestiu cambaleou para a rampa que construíra há anos. Deixou-se cair...

Planou.

            Planou.

     Planou.

Fez no céu um desenho, subiu até a mais alta copa para depois mergulhar fundo. Foi rápido como um flecha. Sorria, gargalhava, e sua alegria ressoava por todos os cantos. Uma nuvem se formara no céu, a princípio tímida, agora já tinha virado um grande borrão cinza-escuro no céu.

P
 i
  n
   g
    a
     v
      a.

Voou brincando de se desviar das gotas que caíam. Voou mais alto, para ver se conseguia encostar na nuvem, mas ela estava longe e alguns trovões pareciam prontos para TROVOAR.

Mergulhou novamente e foi tão rápido que se não fosse o cheiro da terra molhada teria se enfiado em buraco de tatu. 

Alçou voo novamente, o sol já estava todo tangerina quando começou a plainar.

Ficou vendo a extensão de suas asas refletidas na lagoa lá embaixo.




4 comentários:

Luna Sanchez disse...

Tempos e tempos de trabalho, em troca de alguns momentos de prazer : quase todos os sonhos consistem nisso, enfim.

Beijo, beijo.

ℓυηα

Daiany Maia disse...

Luna,

mas depois de tanto trabalho, conseguir realizar o sonho faz todo trabalho valer a pena, o que acha?

E não só sonhos, parece mesmo que tudo é meio assim, até cd a gente compra por causa de uma música de prazer...rs

bjo

[P] disse...

Poesia pura: é assim que consigo descrever seu texto, Maya! Pude ver toda a cena desenhada, até mesmo o reflexo na lagoa...

Um beijo.

ps: acho que a pausa acabou. não estou num momento muito propício para escrever [a não ser coisas que funcionem como uma "sessão-descarrego-de-sentimentos"]; então, vamos ver o que consigo fazer :)

Daiany Maia disse...

[P]

Acho que o objetivo máximo do texto é esse, né? Montar a imagem!

Eu topo, acho que até essa sua 'sessão-descarrego-de-sentimentos' deve ser boa..rs

bjo