domingo, 18 de maio de 2014

Não se acostume com o armário azul.

Moro em uma casa alugada. De brinde veio um armário azul Itatiaia da época que isso era moda. Se você tem mais ou menos 30 anos, como eu, com certeza viu um desses na casa da sua avó, talvez vermelho ou bege quase marrom. Se for mais velho, a sua mãe tinha um. Se for mais novo, busque no google (que é provavelmente o que você faz para todas as coisas) ou veja as fotos de família com todos sentados em bancos de madeira, com o armário ao fundo, usando o corte pigmaleão com óculos de tartaruga.

Pois bem. Hoje alguns chamam de vintage. Mas não é, vintage é algo que foi criado para parecer antigo, mas é novo. Mas, principalmente, o vintage foi pensado para custar bem mais caro do que o antigo e também que o novo. Enfim.

O fato é que o armário não é vintage, não. Ele é velho e manchado. É de um azul calcinha que eu não gosto e não queria. E, além de tudo, destoa dos meus móveis. Sim, os que eu trouxe e quis e continuo querendo aliás.

A locatária foi inflexível: não deixo tirar o armário.

E ele continua aqui em meio aos móveis da cozinha misto marrom e creme, feitos de madeira. E nos olha desafiador: não saio mesmo, qual vai ser?

E acaba não sendo nada. Agora uso para armazenar coisas do mercado, no momento: meio pacote de arroz branco, meio de feijão, meio pacote de arroz integral, um miojo, dois pacotes de molho de tomate, um macarrão parafuso, um pote de granola, 2 pacotes de farinha de trigo porque eu esqueci que já tinha um e comprei outro, um pacote de farinha de rosca, meio de fubá (uma pausa pro fubá que é muito amor), 2 pacotes de seleta de legumes, um Toddy, um pacote quase cheio de café e duas caixinhas de chá: uma de canela e maçã e outra de hortelã. E isso é tudo.

Há duas gavetas no armário. Uma eu usei para colocar contas e outra para pano de prato. Nos espaços que sobraram eu coloquei tudo o que é lixo mas que a gente não chama assim porque a gente fala que uma hora vai usar. No fim, o armário, pode-se dizer oficialmente, está sendo usado.

Mas não devia.

Eu estava fazendo café e olhando para o armário azul e ele simplesmente não encaixa com todo o resto. Ele está em uma parede que na verdade não deveria ser usada, porque é do corredor e fica em frente à porta do quarto. Ele não faz parte do contexto. E só fato de ser da cor azul calcinha deveria tornar redundante a defesa do porquê ele não devia estar ali, não é?
E colocando café em minha xícara eu pensei: quantos armários azuis a gente não tem em nossa vida?

Coisas que não deveriam estar lá, que não tem mais a ver com o nosso jeito, com o que somos ou gostamos mas nós arrastamos por aí? Quantas coisas nós arrumamos desculpas ou/e justificativas para mantê-las ali sendo que não valem nem o tempo de limpar poeira. Que já não valem mais o nosso empenho, enfim.

E mais. Tanto coisas quanto pessoas podem se arrumar melhor com outras, sabe? Tenho certeza que alguém iria amar ter esse armário. Gente que precisa, até. Gente que já teria pegado o danado e passado um tecido bonito nele e estaria a coisa mais fofa do universo e tudo mais. Ou que gosta da cor azul calcinha porque lembra a bisavó que fazia bolinhos de milho toda às terças-feiras às 15h.

Pensei direitinho nesse armário e no fim dele. Vou pensar também nos outros armários azuis que ando mantendo e também em como dar fins neles.

Você pode experimentar também.

Aí o beleza, ó: