terça-feira, 1 de outubro de 2013

As mulheres não são vacas

Que as mulheres não são vacas deveria ser uma obviedade, mas não é, e mesmo querendo praticar a sororidade, eu vou ter que me posicionar em relação ao texto da Tati Bernardi publicado na revista Alfa.


No texto Mulheres se odeiam a Tati Bernardi, cujas poesias e textos eu apreciava até então, faz um desserviço às mulheres tão grande, que tive que trazer para cá um debate que começamos no grupo do blog Meninas Improváveis.

A Tati Bernardi não poderia estar mais errada nesse texto. Isso o que ela falou acontece? Acontece. Acontece porque nós, mulheres, somos criadas em uma cultura machista, esmagadas desde que nascemos por causa de nossa aparência, somos levadas a acreditar que é isso que importa e só por isso nos comparamos, porque acreditamos que nosso poder, que a relação de poder das mulheres, se dá pelas que são mais bonitas. Aquela que é mais atrativa aos olhos (machistas, da beleza que serve ao homem, sobretudo) é a que tem mais poder e por isso deveríamos derrubá-la pra que então tomemos o lugar de poder que ela está. Acreditamos que a jornalista está certa porque o machismo injeta em nós muito cedo um líquido corrosivo que afeta para sempre a nossa peça de autoestima.

"Mas eu vou contar o que é realmente fundamental: roubar a promoção ou o homem da mulher mais bonita da empresa. Nós estudamos, fazemos terapia, amadurecemos, evoluímos… mas seremos sempre vacas. Mulheres são vacas".

Assentir com tamanha estupidez desse texto que é concentrada nesse trecho é retroceder mil anos. O que é fundamental é roubar um homem? Roubar a promoção? O trecho em si é tão canalha que eu nem preciso mencionar novamente a parte da mulher mais bonita, basta mencionar o "roubar" que ela diz, porque quem rouba pega algo que não é seu por direito, ou seja, sem merecimento.

Nós trabalhamos, estudamos, resistimos à todas as "obrigações" que nos é imposta só porque somos mulheres para vir alguém e dizer que o que é o que fundamental na vida de uma mulher é passar a perna em outra?

Ela diz que questões sérias como a mulher ganhar menos que o homem e sofrer assédio no trabalho não é tão importante (ou não tem importância nenhuma) perto da mulher ao lado ter um corpo mais bonito que o dela. Sério?

Não acredito que todas as mulheres sejam assim, nem que a maioria seja. O que a maioria das mulheres sofrem é com a autoestima, se comparam até, mas querer que outra simplesmente se ferre é outra coisa.

Eu não disse que ela não pode dizer e não pode pensar assim, só que ela não deveria, porque como mulher, que talvez soubesse o mau que o machismo causa e a violência cotidiana sofrida pelas mulheres, assumir como voz única e falar em nome das mulheres um discurso tão machista é sim um desserviço, ainda mais em uma revista cujo público-alvo são homens. É mais um pretexto para que muitos falem: "viu? elas se odeiam e são 'tudo vaca" mesmo.

As mulheres podem quase tudo, agora, o que a mulher não pode, assim como o homem também não, é julgar alguém pela aparência e querer o desqualificar por isso, porque é bem isso que se está fazendo ao dizer que é normal querer tomar o lugar da outra só porque acha que ela é mais bonita e são assim que as coisas funcionam.

A colunista é uma ~formadora de opinião~ e deveria sim ter mais cuidado com o que fala, porque sabe que seu alcance é maior, porque não sabe o tipo de filtro que vão fazer e nem que contexto seu texto pode tomar. Poderia dar o nome disso de adequação linguística simplesmente, mas chamo também de empatia. Ela até pode achar que o problema maior da vida dela é a mulher mais bonita que senta ao lado e não o assédio sofrido, o salário a menos, mas não deveria falar em nome de todas.

E se você, mulher, leu o texto dela e pensou "é verdade, eu também me sinto assim", saiba que isso não precisa ser dessa forma, que você precisa refletir sobre o porquê desses sentimentos e visão de mundo e entender que nós, mulheres, devemos nos ver como pares, como sujeitas à mesma cultura machista e que devemos somar e não concorrer entre nós. Nós não devemos achar normal sermos mantenedoras do machismo.

Obs.: Procurem na internet sobre "sororidade" para entender melhor o que significa, mas a Marina fez um texto bem legal e citou "solidariedade feminina" e eu acho que é bem isso.