sábado, 26 de dezembro de 2009

Entre linhas e posts

    A vizinha do apartamento do andar de baixo já tinha ligado para o síndico 4 vezes! Não aguentava mais ouvir a gritaria que vinha do 216. Um inferno. Enquanto o casal do 216 se acusava, gritavam um com outro, esmurravam a parede e chutavam almofadas. Ainda não tinha partido pra porrada porque sobrara algum vestígio de respeito, mas estavam a beira disso.
    Ela desenterrava as brigas dos primeiros meses de namoro, não havia frases que não começassem com "Você lembra aquela vez...?", e ele passava as mãos no cabelo nervoso, a ponto de arracar de si mesmo os cabelos da têmpora. Por fim ele disse que não dava mais, que a amava muito, mas que não era só de amor que se construia um relacionamento, que havia outros fatores...
    _ O que foi? Agora você vai me dizer que eu não sou boa de cama, é isso?
    _ Nossa! Como você é histérica, não entende nada nunca, não é?
    _ Ah...agora sou burra? Não entendo nada?!
    Tentava enxugar as lágrimas que escorriam pelo rosto.
    _ Chega! É ínutil, vou pegar minhas coisas, tô indo embora. Vou pra casa da minha mãe, e acho melhor a gente não se falar por agora, é melhor esperar as coisas esfriarem.
    _ Falou em frio é com você mesmo.
    _ Sem sarcasmos, não vamos nos machucar mais.
    Foi até a cômoda, pegou as roupas que mais usava, enfiou tudo na mochila de acampar, mais alguns pares de tênis, foi buscar a escova de dentes no banheiro. Ela vai atrás dele.
    _ André, não faz assim, vamos conversar, a gente pode se acertar - tentou sorrir - afinal de contas, quem não briga? Não é mesmo?
    Ele pega as últimas coisas, anda pelo apartamento para conferir se não esqueceu nada muito importante.
    _ Tchau - beija-lhe a testa -, a gente pode ser feliz ainda. Mesmo que sozinhos, talvez apenas sozinhos.
    Fecha a porta deixando a chave no aparador. Ela enconsta-se na porta, chora copiosamente, escorrega até o chão, fica lá por alguns minutos, horas talvez. Se levanta, pega um vinho que já estava aberto na geladeira, liga o note. Entra no Amor de papelão e passa um longo tempo lendo, enquanto acaba com a garrafa ao lado.
    Com o rosto já seco, a queixo apoiado na mão, termina de ler o último post.
    _ Não derramo nem mais uma lágrima, aquele canalha nunca me mereceu! Nunca escreveu um recadinho desses pra mim, nem em papelão, guardanapo, nem nada!
    Procura o celular entre as almofadas.
    _Alô? Carlos? É...faz tempo...
   

domingo, 20 de dezembro de 2009

Um paradoxo,
ei-lo.
Quero desvendar-lhe as pétalas,
despojar-lhe o pólen, agarrar-te pelo caule
e rancar-te a raiz.
Se movo as asas rapidamente,
se desesperadamente as bato,
é para alcançar-te,
chegar ao miolo, o bico.
Para sentir-te.
Aspirar-te.
Para espalhar pelos ares o poder da germinação.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Nesta terça-feira o IBGE liberou sua listinha dos dez mais e mostrou que a expectativa de vida do brasilileiro aumentou, foi para 72,86 anos para os homens e 76,71 anos para as mulheres. O que isso demonstra?
  • O tempo para receber a aposentadoria será adiado.
  • Quem disse que antes qualidade à quantidade? Não aqui no Brasil.
  • Que há um porção de HP's sendo massacradas no INSS, estão fazendo as contas para saberem como irão segurar a bomba.
  • Que a partida de bocha vai muito bem, obrigada.
  • Que a cacheta vai muito bem também.
  • Sim, mãe. Você ganhou mais uns anos. (ufa!)

 E por último,

 
  • Mulher, se você está esperando o traste do seu marido morrer pra você usufruir a aposentadoria, não vale a pena, são apenas uns aninhos. Nada que valha a pena aguentá-lo arrastando as alparcas pela casa.

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Com gotinhas de chocolate ou uvas cristalizadas?

Se eu tivesse ouvido mamãe e feito aquele curso de panificação no Industrial, hoje eu estaria ganhando uma grana, mesmo fora da época do Natal, isso porque tem governador aí com o coração maior que o peito, de tanto que gosta de fazer caridade.


O duro é que pra sair do meio da lama com uvas cristalizadas, ele nem poderá pedir ajuda para os universitários, porque esses também mostraram que estão aprendendo o be-a-bá direitinho e também querem seu próprio dinheiro pra comprar panetones.

Bom, o jeito será o dito governador colocar um pezinho de arruda atrás da orelha... pensando bem, arruda não, porque arruda já não está fazendo milagre, o melhor será uma espada de São Jorge, que é pro santo guerreito dar um jeito no dragão de impeachment que a OAB quer alimentar.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

E nas quinas burocráticas....

Como assim ninguém sabe por quê teve o apagão? Isso é...




...Oi?... Alguém? ...Será que salvou minha postagem? Nossa..alguém pega uma vela, por favor?Aiii droga! Bati o pé...







...

Mi maior.

Tirou lentamente o violão da capa, metodicamente, sem pressa. Abriu o zíper como quem despe uma virgem. Colocou o instrumento sobre o colo, abaixou a cabeça levemente inclinada e começou a afiná-lo.

Sentada em um monte de almofadas ela o olhava enquanto ele ritualmente afinava o violão. Reparou em seu jeans surrado. Ao lado dele uma pequena fonte escorria água sem sossego. Seus olhares se encontram. Pronto, o violão estava afinado.

Ele começou a tocar enquanto ela fazia o que mais gostava: admirá-lo. Dedilhou alguns sambas, tocou algumas bossas, e depois… sem que soubesse o porquê, ele tocou um rock antigo, segurava firmemente o braço do violão enquanto com o próprio braço o abraçava pelo meio, na altura das cordas, não com o ombro apoiado no instrumento, mas com o ombro atrás dele, e essa cena a inflamou.

A água borbulhava na fonte.

A cada batida que ele dava no violão era como um toque em seu corpo.  A velocidade impressa por ele na música imprimia em seus sentidos, o desejo.

Levantou-se de onde estava e foi até ele, começou a afagar-lhe os cabelos, passar os dedos em sua nuca, parou com as mãos no ombro por alguns instantes, abaixou-se um pouco e deslizou as mãos pelas costas. O sentiu arrepiar.

Não parou a música, que era a maneira dele retribuir os carinhos. No entanto, a música parecia cada vez mais frenética, e já não sabia se o que ele tinha no colo era o corpo do violão ou o seu próprio.

Os corpos tremiam, as cordas vibravam e o som assonante ecoava pela casa.

Deu  a última nota.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Nem pra substituir.

Assisti o filme Substituto, lançado recentemente, pelo menos aqui no interior de São Paulo. Enfim, a pipoca valeu a pena. Estava com duas amigas e uma delas ao terminar o filme me disse: “nossa, só uma hora e meia de filme” ao que eu: “e foi muito”.


Acho que essa foi a frase mais exemplificadora do filme.
O filme é mais uma daquelas amostras de uma ideia boa que dá errado. A sinopse em si já era um fiasco, quando li disse: a sinopse é fraca, vamos ver se o filme é melhor.

Não foi.

As primeiras cenas do filme mostram a progressão do tempo e a evolução que se dá na robótica e por fim, a inserção uma vez por todas dos robôs na vida humana. Talvez se quisesse questionar alguma coisa, mas o fato é que o filme nem se quer chegou a levantar a questão.

O filme é uma mistura de Eu, Robô com Matrix e no final uma cena que estava mais para Ensaio sobre a cegueira do que qualquer outra coisa.
A atuação do Bruce Willis é… Armagedon?

Se o filme é insosso a trilha sonora então… é inexistente, como disse minha amiga, “a única hora que tem música é a musiquinha do elevador” e nos créditos. A música dos créditos proporciona mais emoção que uma cena ápice de perseguição da bandida pelo mocinho.

Nestas horas que vemos como uma boa trilha faz falta, talvez com o embalo certo o filme pegasse na retranca. Acho que nem assim.


Ainda bem que era segunda-feira de promoção.

Modelo Inep de Fazer.

No dia 29 de julho, à meia noite, o Inep liberou 40 questões-modelo para o novo Enem. Foram apresentadas para cada grande área diretrizes que norteariam a elaboração da prova. Aliás, coisa bonita de se ler. Em Linguagens, Códigos e suas tecnologias o que se tem é praticamente um tratado em variação linguística, os diferentes tipos de gêneros do discurso, e toda uma confabulação sobre respeitar o conhecimento que o aluno possui e etc. De fato, era de se encher os olhos. Sem contar as outras áreas que seguiam o mesmo padrão.


No entanto, na prática, o que foi apresentado foi mais uma vez o famigerado jeitinho brasileiro. Eis que às portas do Enem surge a suspeita de fraude, chamada suspeita somente por puro pudor burocrático, porque era mais que fato - para desespero de milhares de alunos. O excelentíssimo ministro da Educação, com a maior tranquilidade, disse que este era o momento para os alunos aproveitarem para estudarem mais, obviamente ele não havia se inscrito para a prova.

E se não bastasse os panos quentes metodicamente colocados sobre o vazamento da prova, aliás, nome apropriadíssimo uma vez que; se já haviam reservas da parte de várias universidades federais em aceitar o enem como critério decisivo para o ingresso dos alunos, este vazamento só fez com que a confiança, que já era mínima, escorresse pelo cano uma vez por todas. Bem, e se tudo isso já não fosse suficiente, houve por parte das autoridades uma certa complacência, uma “minimilização” do que houve.

É claro que só a venda do gabarito da prova já é um absurdo, afinal de contas, o Enem é o “termômetro” da educação brasileira, é dependendo dos resultados obtidos nele que as escolas conseguem verba. Porém, a questão é que o Inep é um órgão que tem que se manter acima de qualquer suspeita, afinal é ele que coordena, aqui no Brasil, o exame de ciências do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), um programa internacional de avaliação comparada, que tem por objetivo produzir indicadores dos sistemas educacionais no mundo todo. Se a integridade do Inep passar a ser questionada, a posição do Brasil no ranking também pode ser. E o problema não é só posição, mas a integridade da imagem do país. Exagero? E como dizer que não é assim.

O Inep se saiu muito bem em suas questões-modelo, mas como modelo...

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

O Besouro e o dragão.

Não pode-se tirar um mérito do filme Besouro: o de ser uma coisa difícil de se classificar. É um filme que tem todas as características que um filme bom tem:








Trilha: ok

Efeitos especiais: ok

Enredo: ok

Atores: ok (mas leia-se um ok trêmulo)





Enfim, o que mais quiser se acrescentar, no entanto:





Todas as características juntas? N/A





A trilha sonora, mas ainda me questiono sobre isso, foi estranha. Tá, foi Gil, tá… foi Nação Zumbi, mas senti um Q de rock que estava muito ao gosto norte-americano, que para o filme, tão brasileiro, não caiu bem.

As coisas em si, não foram bem casadas. Os efeitos especiais, tão aclamados, pesaram, caíram no excesso. Enfim, começarei do início. A história do Besouro merece (e já o é) um mito e foi para essa construção que o filme se propôs. O resgate do candomblé nas figuras dos orixás, se entrelaçou com o enredo de uma maneira maravilhosa. A cena mais bonita do filme é quando o Besouro olha para um sapo e vira o próprio sapo, faz um mergulho-iniciação, em uma construção perfeita da significado, que se dá pela imagem, recurso máximo do cinema.

Foi lindo.

No entanto, o voo do Besouro, uma metáfora de tanta coisa, podia ter sido trabalhada de outra forma. Senti falta de mais rodas de capoeiras, de mais passos, da dança e da luta, se era pra explorar alguma coisa que se explorasse àquilo que a Capoeira tem a oferecer e não O tigre e o Dragão, animais que nem existem no Brasil.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Ventania

Os galhos vergavam sob o vento. O breu se instalara assim que os ventos chegaram. A ventania percorria toda a propriedade, com força, agressividade e pressa. O vento corria como se estivesse atrasado. Talvez estivesse.

Os animais ofegantes, se amuavam, se esprimiam uns contra os outros. Nos olhos deles: o medo.

Os ventos uivavam como lobos nas estepes e a sensação de  presságio era a mesma. Não se via nada, os troncos das árvores eram apenas silhuetas trêmulas. Apavoradas.

O vento castigava toda a vegetação com açoites. A mata verde-musgo empalidecia diante do sopro titânico, não se ouvia nem um canto de pássaro, nem mesmo o de alguma coruja agourenta.

O lampião, há muito apagado, balançava de uma lado a outro, como o badalo de algum sino de uma cadetral barroca.

Pela fresta da porta incidia uma luz tímida, amarelada, que parecia ter sido curtida pelo tempo, uma luz velha como uma papel surrado no assoalho da varanda.

Uma cadeira de vime, tão antiga quanto o próprio casarão, balançava embalando alguém que não se via, virada para a plantação parecia deixar aquele que estava sobre ela a par do estrago que era feito pelos ventos.

De dentro da casa ouvia-se o estalo da lenha trepidando no fogão, além disso… mais nada.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

33 graus.

Que horas eram? Olhou a tempo de ver Cuauhtlehuanitl. Arrastava-se num infinito de areia, simetricamente sem forma, o rosto salpicado de areia fina. Confundia suas formas… a areia era uma extensão de si mesmo.

O Sol ardia em sua pele. Por que parara ali? Como havia se perdido dos outros? Agora tudo não era mais que uma névoa, algo muito difuso, uma linha tênue entre a memória e a realidade.

Quando tivera a ideia brilhante de fazer essa viagem? Esse arroubo de aventurismo? Não passava de um bancário, porque se metera nisso, meu Deus!

Agora encontrava-se ali, com Helios sob a sua cabeça, no auge do seu poder, oprimindo-o, dilacerando-o.

Fixava seus olhos ao longe, à espera da caravana salvadora, mas ela não aparecia, não vinha, não o salvava.

Conseguia sentir o mormaço, aquela presença esmagadora do calor, já não podia mais consigo mesmo, foi quando viu um falcão. Um falcão? Era a vertigem, não havia outra explicação, um falcão gigante, imponente, acima do bem e do mal. Era Atum zombando dele, da presunção de pisar em um terreno que absolutamente, não era o seu.

Começou a sentir a areia se movendo, o que era aquilo à frente? A areia escorria em aspiral, desesperado ele corria na direção contrária, tinha que ser rápido ou seria engolido, iria escorrer junto com a areia para aquela ampulheta sem fim.

Conseguia ouvir as asas do falcão batendo, era o som das gargalhadas dadas por .

Queria um enigma, algo que pudesse mudar sua sorte, “Decifra-me ou te devoro”, ele seria capaz de resolver… queria uma esperança.

Deitou–se de costas para a areia, olhava o céu límpido, claro, sem nuvens, viu Apolo com seu carro majestoso cortar o céu, ficou horas a olhar.

Então, viu Cuauhtemoc desaparecer.

Murmurava 33 graus, 43 graus, mil sóis, enquanto procurava o cantil de água.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

a saga

Atravessou a rua sem olhar para os lados. Foooooom, pula para trás. Não enxerga não, pô? Ai que caramba, não vou conseguir catar todas as miçangas...Pega lentamente as miçangas da pulseira que arrebentara. Atravessa a rua agora usando a faixa de pedestres. Oi Dona Maria, minha mãe tá aí? Tá sim fia, Ôôô Fátima.

_Que que foi? Ô Luiza, se for dinheiro nem precisa pedir...

_Pô mãe, todo mundo vai lá na casa do Fabin, só que vai pedir lanche, que quieu faço? Vô fica olhano?

_Problema seu, por  mim nem ia.

_Porra meu, por isso que não gosto de fala nada, toda vez é isso aí, tenho que fica mindigano.

_Quanto cê quer?

_Uns 10 mango.

_Cê acha qui cai du céu?

Pega o dinheiro que a mãe lhe dá. Sai correndo pela porta.

Já na rua olha o dinheiro desconfiada, era uma nota só, mas vai que sua mãe tentou lhe passar a perna. Nossa, se eu não comer nada dá pra eu usar uns três dias. "Estranho seria se eu não me apaixonasse por você, o meu allstar azul combina com o seu, de cano alto..." Olha para os próprios pés, e vê seu tênis, desgastado, desbotado e emprestado, pelo menos oficialmente, tinha surrupiado o tênis do primo há 2 anos, no começo ficava grande, agora já estava apertado.

Atravessa outro quarteirão, pára em frente a padaria, aspira por alguns momentos o cheirinho de pão que exala lá de dentro, Ô coisa boa, podia gastar só um pouquinho...Balança a cabeça como que para afugentar a própria ideia, como se não pudesse ceder àquilo, como se fosse pecado...

Estava ofegante, não podia perder tempo, já sabia como funcionava, podia até atrasar um pouco, mas havia um limite e se não chegasse a tempo…

Soejaievhis. O que?

Alguém, já não distinguia sexo, idade, cor, simplesmente alguém que pedia a ela alguma coisa, uma moeda, um salgado que ele(a) já não comia há três dias, tinha 3 filhos pequenos para criar… Não tenho trocado, não. Continua em direção ao seu objetivo.

Vira mais uma esquina, pronto, lá estava ele, majestoso, imponente, cheio de si: o teatro.

sábado, 3 de outubro de 2009

Olimpíadas 2016

Comentando no blog de um queridíssimo sobre as Olimpíadas:

 Li na uol.com que o Brasil investirá 14,4 bilhões nas Olimpíadas, será que já está incluso o "sossega-leão" que terão que dar no Comando Vermelho?


Será?

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

À margem dum soneto.

E se não bastasse
a máscara vestir,
subiu ao palco,
satisfeita em representar-se,
se posiona no centro da luz gerada pelo refletor.

Para uma plateia que ali não estava,
declama seus poemas
com o ânimo exaltado
as mãos movimentando-se em pausas e medos.

Deixa uma lágrima escorrer com dramaticidade.
Sorri um sorriso tolo,
treme os lábios e
num gesto de desespero: geme.

E como uma personagem que se esgota,
que cumpre sua sina enquanto criação,
enclina-se
agradecendo aos aplausos inaudíveis.

Apaga-se a luz.

Maya Andrade

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Tapete Pistache

     Um tapete pistache, e sobre ele uma escrivaninha antiga, reformada e gasta. O som de uma máquina de escrever se fazia ouvir por todo o apartamento. Uma folha amassada voa pelo ar, bate no aro da lixeira e cai ao lado de muitas outras no chão.
     Apaga o cigarro ansiosamente no cinzeiro, acende outro, toma o uísque misturado com a água derretida de dois cubos de gelo que havia colocado.
     Levanta-se, abre a cortina e avista o céu, sem estrelas, sem lua, sem nada.
     Vai até o rádio, coloca um vinil e curte Palo Seco. Volta à escrivaninha, coloca outra folha, ajusta novamente o parágrafo, só por hábito. Os dedos lutam contra as teclas já apagadas pelo uso. Pára. Nem um vislumbre de idéia lhe surge na cabeça. Vai à cozinha, abre a geladeira com certa dificuldade, a porta sempre emperrada.
     Volta para sala, senta-se na poltrona velha de couro marrom, acende outro cigarro, dá três tragos e apaga-o. Dá uma olhada na folhinha de supermercado com o calendário daquele ano, marcado em vermelho, um xis com uma anotação ao lado: Prazo esgotado. Isso seria dali a dois dias.
     Volta à máquina, pede por um clarão, mas até a noite escura parecia dizer que não cooperaria. Bate o pé direito no piso de taco acompanhando a melodia.
     Pega um lápis, começa a rabiscar um papel, se torna mais interessado no guardanapo, lembra que o endereço daquela morena, que conheceu ontem no bar está ali. Rele o endereço, é perto, talvez passe lá mais tarde.
     Sorri.
     Tinha que entregar o texto daqui a dois dias e em mais de cinco horas não havia conseguido escrever um parágrafo se quer. Resolveu tomar um conhaque.
     Acho que vou passar na casa do Fabinho. Toma o conhaque de um trago só.
     Vai ao banheiro. Bate o pé no bidê. Xinga. Levanta a tampa do vaso. Não dá descarga. Pára em frente ao espelho, por que barba cresce tão rápido? Lava o rosto. Dá três tapinhas na bochecha. Ô, vida de cão.
     Senta-se à escrivaninha novamente, e começa, sem muita inspiração:
     Era um tapete na cor pistache.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Alguns versos

Dê-me uma folha de papel em branco
Deixe-me escrever uns toscos versos sobre mim
Deixe-me apresentar-me da maneira mais conveniente
Listar os livros que li, os quais não pude interpretar
As trilhas sonoras que embalaram minha vida.
Deixe-me entrar na sua vida
Talvez permita que faças parte da minha.


Maya Andrade

Furtivo

Que sorriso furtivo é este
que me rompe os ânimos
e perturba minha alma?
Que me confunde e instiga?
De que lugar ecoa essa rouquidão
que me afaga os ouvidos
e apascenta meus instintos?
Quem é este que inspira…
Por quais labirintos o encontrarei?
Que monstros marinhos terei que enfrentar?
Por qual arte ilusionista me ludibria
para que sua sombra se projete em mim
e se antecipe aos meus passos?
Como seguir àquele que é só presença…


Maya Andrade

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

"nalgum lugar em que eu nunca estive, alegremente além
de qualquer experiência, teus olhos têm o seu silêncio:
no teu gesto mais frágil há coisas que me encerram,
ou que eu não ouso tocar porque estão demasiado perto
teu mais ligeiro olhar facilmente me descerra
embora eu tenha me fechado como dedos, nalgum lugar
me abres sempre pétala por pétala como a Primavera abre
(tocando sutilmente, misteriosamente) a sua primeira rosa
ou se quiseres me ver fechado,eu e
minha vida nos fecharemos belamente, de repente,
assim como o coração desta flor imagina
a neve cuidadosamente descendo em toda a parte;
nada que eu possa perceber neste universo iguala
o poder de tua imensa fragilidade:cuja textura
compele-me com a cor de seus continentes,
restituindo a morte e o sempre cada vez que respira
(não sei dizer o que há em ti que fecha
e abre; só uma parte de mim compreende que a
voz dos teus olhos é mais profunda que todas as rosas)
ninguém, nem mesmo a chuva, tem mãos tão pequenas "


e.e. cummings

Espaço

"Então escrever é o modo de quem tem a palavra como isca: a palavra pescando o que não é palavra. quando essa não-palavra - a entrelinha - morde a isca, alguma coisa se escreveu."
Clarice Lispector

Letras que emocionam,
que deixam falar as entrelinhas
e nos prendem entre os braços e nos aquietam.
Entre linhas o silêncio cala alto
Nos afaga
e nos faz repousar
a
Poesia.

Maya Andrade

terça-feira, 22 de setembro de 2009

A margem.

Era outra e não esta que se vê.
Esta que nos muros se encosta como apoio.
Era outra.
Era aquela que nos textos era espaço.
Era outra.
Que mudança é esta que já não posso apalpar?
Não quero a outra.
Mas como dizer outra
se não posso dizer com exatidão onde está a margem do rio que fui?
Quero esta.
Amo antes a tela do que a imagem que nela é produzida.
Amo antes a tela do que o que nela possa se pintar.
Sou tinta.


Maya Andrade
Entediada, tediante
Sufocada   num aperto
E n f a d o
Corto os pulsos
escorre
            o tédio, quase inócuo
Sobre os versos de outrora...
Corto, corta com o Pires
e de fundo o recitar de Cruz
                               ou Souza...

Maya Andrade & g.sednaderf

O retorno.

Depois de meses eis que retorno...e como esquivar-me de tal falta? A de abandonar à própria sorte um blog após seu primeiro post, de fato, se não há meios de desculpar-me, prometo passear com maior frequência nesse campo que eu própria me propus a cultivar e no entanto, após arrendar o terreno, lancei-o no esquecimento.
E por que o retorno? Porque nos últimos tempos estive a afiar o meu discurso, achei bons companheiros de combate e isto despertou novamente o desejo de escrever, até tracei uns rabiscos aos quais ousadamente chamei de poema, os postarei em um futuro próximo.

Saudações!

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Se escrever fosse fácil...

Escrever pelo motivo básico de exercitar, alongar todos os músculos do léxico, tonificar a sintaxe pra deixar à mostra as possilidades que o texto pode ter.