quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Diálogos

Sentaram em uma sorveteria para tomar milk-shake. Pediram o mesmo sabor.


A: - Não sei em que momento nos desentendemos. A gente é igual.

B: - Somos parecidas, apenas.

A: - Que seja. Mas o fato é que a gente entende uma à outra, todas essas meias-palavras não eram necessárias entre nós.

B: - Se a gente se entendesse tão bem não precisaríamos dessa conversa. Essa é a prova cabal que não entendemos uma à outra.

A: - Não acho. O que eu quero dizer é que não precisamos de máscaras. Você não precisa fingir ter um pudor que não tem. Não precisa amenizar verdades. Pode mostrar suas falhas porque eu já as conheço.

B: - Sim, nesse sentido é verdade. Eu sei que você é foda e você sabe que eu sou. Sabe, inclusive, que eu sou mais foda que você, porque tenho um equilíbrio que você ainda não conseguiu. Você ainda tem esse perfil de incertezas. Eu já quase não mais.

A: - Então, eu acho que temos uma afinidade muito grande.

B: - Essa é a parte que você se engana. Não existe isso de “não ser preciso amenizar verdades”. A verdade não é intrinsecamente boa. A verdade fora de hora é tão má quanto a mentira. O dia que você entender isso, talvez passe a existir essa tal afinidade entre nós.

A: - Mas a verdade é tudo que temos. Se a gente perder a verdade, perderemos todo parâmetro. Perderemos.

B: - Assim como a lei não garante a justiça, assim também a verdade não garante a retidão. Se há um caminho possível para o equilíbrio é a leveza. Sempre, sempre é preciso suavizar a verdade – sobretudo a inconveniente.



Terminaram de tomar o milk-shake em silêncio.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Duas coisas

Tem hora que eu só queria poder dizer
te amo
e que você soubesse que eu não espero um
eu também
porque o bom do amor é sentir
[e poder dizê-lo]


Maya Andrade

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Nada de mais

Com o pneu da minha moto furado, sem tempo para arrastá-la até uma borracharia e sem coragem de pagar um guincho, fiquei andando de moto-taxi por uma semana e meia. Ontem à noite, saindo do trabalho, fui para o ponto de moto-taxi.

Falando no celular, Geraldo*, meu conhecido há alguns anos, na época que eu ainda trabalhava em outro emprego, também, próximo ao ponto que ele trabalha.

- Oiiee! – eu disse

Geraldo falava ao celular (coisa que só percebi depois) e olhou para mim, reconheceu, deu um sorriso e uma piscadinha amistosa.

Fiquei esperando que ele terminasse a ligação. Me aproximei da moto dele.

- Oi gata! Fazendo o que da vida?

Não gosto que me chamem de gata, mas com o Geraldo soava espontâneo, não reclamei.

- Tudo bem. Trabalhando e fazendo faculdade ainda, acredita?

- Faculdade é isso mesmo, leva tempo.

Apenas sorri.

- Tem como você me levar em casa – perguntei - só que eu não estou morando mais com a minha mãe, não. Estou morando ali para frente do COC.

- Opa! Que foi, casou?

- Não, não – disse rindo.

Geraldo soltou uma gargalhada gostosa. Aliás, não era só a gargalhada que era gostosa, quantos anos se passaram desde que eu o via trabalhando do outro lado da rua? Quatro? Cinco? Geraldo só tinha melhorado, deve estar agora no auge dos seus 30 e poucos anos.

- Vamos gata?

- Vamos.

Subi na moto, fiquei super tentada a dizer que me agarraria iria segurar nele, mas resisti.

Fomos conversando durante o trajeto. Ele é engraçadíssimo, uma voz linda, riso solto, fiquei pensando que era uma sorte mesmo o capacete não deixar a gente falar soprando no ouvido do outro, seria desleal.

Perguntei para o Geraldo se ele conhecia um borracheiro perto da minha casa e expliquei-lhe a situação. Ele me explicou direitinho como fazia para chegar em um próximo. Agradeci.

Parou em frente da minha casa. Desci da moto, perguntei o preço, ele me disse e eu paguei.

- Brigadão, viu?

- Ô gata, quer que eu veja isso pra você? Eu já tiro essa roda e levo pra você e depois te trago, quer?

Meus olhos brilharam.

- Poxa, vai dar um trabalhão.

- Nenhum homem fez isso pra você?

- Ah.... é que...

- Tá, deixa que eu levo.

Geraldo entrou na garagem e já foi pedindo as ferramentas. Ele se abaixou e acabou aparecendo o elástico da cueca boxer – preta.

Meu Deus, pensei comigo mesma, não é que o fetiche do mecânico é verdadeiro? Geraldo estava ali fazendo força, se sujando de graxa e eu salivando observando.

- Muito bom – deixei escapar.

- Que foi?

Pega em flagrante, respondi que era muito bom o fato de ele conseguir soltar a roda.

Tá, foi idiota, mas foi o melhor que consegui pensar na hora.

Ele usava um relógio bonito, masculino, imponente. E só Deus sabe o meu fraco com homens de relógio.

Finalmente (pena) Geraldo conseguiu soltar a roda.

- Pronto, onde eu posso lavar as mãos?

Geraldo tem um sotaque bonito, faz todas as concordâncias, ele é graduado em Filosofia, mas não quer dar aula, trabalha como moto-taxi porque rende uma boa grana, bem mais que se desse aula. Passei em frente ao sofá, pensei momentaneamente em jogá-lo lá, desisti, fui com ele para o tanque.

- Pegue o detergente na pia pra mim?

- Claro.

Peguei.

- Pode jogar.

Despejei um pouco de detergente nas mãos de Geraldo, ele começou a esfregar uma mão na outra. Fiquei olhando e por um momento pensei em ajudá-lo a lavar aos mãos, numa espécie de cena improvisada e adaptada de Ghost – claro, só faltaria o vaso de barro.

- Mais...

- Oi?

- Coloca mais detergente, por favor.

- Ah, tá.

Quando acabou de lavar as mãos, Geraldo jogou água no tanque para limpá-lo, para que não ficasse espuma suja. Quantos homens fazem isso? A maioria que eu conheço lava o tênis e deixa a espuma lá, encardindo o tanque.

Geraldo é pra casar.

- Se você quiser, eu já levo lá e te trago agora mesmo.

- Não, você não prefere amanhã? Quando estiver passando perto de um borracheiro, você conserta.

- Tá bom. Toma meu telefone.

Virei o verso do cartão, não, não tinha nada escrito. Deu um toque no meu celular para que ficasse marcado.

- Amanhã eu te trago o pneu, tá?

- Tá, muito, muito obrigada.

Antes das oito da manhã, Geraldo me ligou.

Esse é pra casar².

                            

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Batendo portas

Escovava os dentes olhando pra pia. Sentia as lágrimas escorrendo pelo rosto. Como consegue sentir as lágrimas mesmo com o rosto meio molhado? Fez bochecho e cuspiu. Olhou no espelho. Os olhos vermelhos representavam o adiamento de uma decisão.

Batons, calcinhas, chinelos e pulseiras espalhados pelo chão do banheiro. Enxugou o rosto. Abaixou a tampa do vaso sanitário e se sentou.

Soluçava copiosamente – estava a beira do desespero.

Depois de um tempo, muito tempo, foi para a sala. Saiu chutando todas as almofadas pelo chão. Ligou o rádio e deixou a música preencher o apartamento.

Por que doía tanto? Por que esse vazio que sentia e que nem a música era capaz de preencher? Porque essa imensa falta de si mesma quando a falta era pra ser de uma outra coisa?

Deitou-se no chão do apartamento, olhava as – infantis – estrelinhas fluorescentes coladas no teto, tinha até alguns cavalos-marinhos espalhadas entre elas. Resquício de algo que já não era.

Afundou-se entre almofadas e tristeza.

Ao longe ouviu a campainha tocando insistentemente. Se levantou com muita dificuldade e foi abrir a porta.

- Oi.

_ Nunca mais quero te ver, vá embora e não volte mais.

Bateu a porta para o seu futuro idealizado.


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Ouvindo If you don't wanna love me - James Morrison  quando escrevi

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Eu que freei, idiota!!!!

O trânsito é sempre uma coisa que rende conversa. Todos os dias eu faço um tour pela cidade para ir de um emprego ao outro e à faculdade depois. E nesse vai e vem sempre há uma coisa recorrente no trânsito: a minha irritação.

Não, não pense que sou estressada, uma irritadinha descontrolada, não. Eu tenho melhorado. Mas acontece que existem pessoas com uma única e exclusiva função: te deixar fula(o) da vida.

Um movimento que eu quero começar, inclusive fazendo abaixo-assinado e tudo (pode assinar via comentário) é o movimento Eu quero luz de freio na frente do carro. Sim, leitores e leitoras. Luz de freio na frente já! Por quê? Porque simplesmente as pessoas têm que ter algo bem claro na mentes delas:

- NÃO DEU TEMPO, IDIOTA. EU QUE FREEI!!!

Sim, o cara fica parado na esquina, naquele vou-não-vou e você, motorista esperto, percebendo que o cara vai fazer merda uma imprudência, já dá uma desacelerada. E o cara na indecisão. Quando você finalmente acha que sim, ele vai esperar, ele resolve atravessar na sua frente. Você então freia. O cara passa e ainda comenta com a esposa, apavorada (cujo estômago está no banco de trás): Viu, Môr? Não disse que dava tempo?

- NÃO, NÃO DEU TEMPO, IDIOTA. EU QUE FREEI!!!

Mas o motorista displicente, com aquela barriguinha infame, segue o caminho achando que é muito esperto em sacar que dava tempo de ele passar com o seu Diplomata 1978. Se tivesse uma luz de freio dianteira essas coisas não aconteceriam.

Depois de se irritar com esses motoristas-ejaculação-precoce (quando você menos imagina, ele já foi) você continua seu caminho.
Você vai então para uma avenida que ao menos tem semáforos, então a coisa está mais garantida. Essa avenida é bem movimentada, e muitos “motoqueiros” trafegam por ela. O interessante é que ela tem onda verde (se você fica em determinada velocidade os semáforos estarão sempre verdes). A velocidade é em torno de 45km/h. Os motoqueiros devem saber disso, imagino. Mas ignoram. Preferem acelerar e correr e... frear. Eles acabam passando à frente dos carros porque estes preferem ir mais devagar para tentar pegar a onda verde. O que ocorre então é um grupo (bolo) de motos e o grupo de carros atrás.

Aí acontece o fenômeno interessante. Uma moto para na frente. As outras vão parando um pouquinho mais atrás, mas ao lado. Finalmente eles ficam naquela posição inicial de jogo de bilhar, o triângulo sabe? Uso a imagem do jogo de bilhar porque é uma coisa mais gordinha, não é aquele triângulo com a ponta fina, porque mais ou menos eles se organizam lado a lado.

Tá.

Daí o sinal fica verde e: bruuuuuuuuuuuuuuuuuum! Todos partem em disparada. Eu fico pensando “aonde é que eles vão com tanta pressa?”. Vão até no semáforo da frente ficar parados enquanto todos os carros vão chegando depois e pega o semáforo verde. É uma cena bizarra. Alguém deveria avisá-los que eles não são os espermatozóides disputando entre si pelo óvulo perdido. Porque é justamente essa a imagem que me vem toda vez que eu vejo o bando de machos (grande maioria) fazendo essa corrida maluca.

Finalmente você sai da avenida e volta para uma rua tranquila e... estreita. Com carros estacionados dos dois lados, afinal, facilitar pra que? E então eu, que estou de moto (mas não participo da corrida maluca) tenho que ficar atrás de um carro, porque não há espaço para ultrapassá-lo por lado algum. O deserto do Atacama é aqui na minha cidade, entendem? Então fico eu lá, fritando, fedendo, grudando poluição/queimada de cana/poeira, sentindo o calor do Sol passar por minha calça jeans e queimar minhas pernas – pacientemente (mudei, lembram?) – enquanto o motorista do carro na minha frente não sabe o que é engatar a terceira.

- Aaaaaaaaaaaaaaaa.

Nesse momento eu já sinto aquela película de poeira sobre meu corpo. Minha franja já está mais oleosa que pastel de feira à uma hora. Minhas costas já estão doendo.

E o motorista?

Atrás do carro de vidro com insulfilme eu consigo vê-lo balançando a cabeça e curtindo a música na temperatura amena de um ar-condicionado.





Obs.: Eu mudei porque toda vez que acontece essas coisas eu mentalizo: